AS FORÇAS DE PAZ DE TIMOR LESTE |
A
proposta aqui seria falar de um livro, “A ordem unida na evolução da
doutrina militar”, escrito por nosso policial-autor capitão Hélio Tenório
dos Santos. Ou de outro estudo seu: “A barreira de Itararé na história
militar”. Ou o próximo: “A atuação tática de João Cabanas no eixo
da Mogiana”. Todos eles resultado de muito estudo e dedicação... Mas, o
que fazer quando a sua maior história ainda não está escrita (pelo menos
não em papel)?
A importância da atuação do capitão não fica atrás daquelas que ele
estuda e, se não for lembrado pelos brasileiros, com certeza ficará na memória
do Timor Leste, país que ele viu surgir e se consolidar. Sua grande experiência
de vida foi integrar a Força de Paz da ONU durante o processo de emancipação
da ex-colônia Indonésia em 2001, sendo um dos responsáveis pela formação
da Polícia timorense na capital, Dili.
“Quando cheguei não imaginava o tamanho da destruição: todas as casas
do país estavam queimadas, a infra-estrutura foi destruída, todos os prédios
públicos arrasados, criações animais e plantações de milho, mandioca e
banana...”, conta Hélio. As primeiras impressões não foram muito boas,
mas o trabalho intenso, de segunda a segunda, não dava tempo para se
preocupar com conforto.
Depois de encontrar uma casa abandonada, queimada como as outras, procurou o
dono e se ofereceu para pagar aluguel. Dormia todas as noites em cima de um
cobertor estirado no chão, ao som de porcos, galinhas e cães, criados
livremente nas ruas da capital. Só um ano depois conseguiu comprar um colchão.
“A água vinha regularmente uma vez por dia, das 17 às 17h15, enchíamos
um monte de baldes e tomávamos banho de canequinha”, lembra. Durante as
primeiras semanas na ilha de clima seco, o paulistano magro e alto achou que
era cabra forte nordestino e poupava parte da garrafa de um litro e meio de
água potável que recebia diariamente da ONU. “Isso me deixou com
problemas sérios de saúde”, comenta o capitão, que hoje não passa o
dia sem beber litros de água.
Essencial como a água no calor infernal, Hélio precisava se comunicar.
Como os companheiros da Força de Paz era em inglês, com velhos
sobreviventes até teve vantagem pelo português (o Timor Leste foi colônia
lusitana até 1975). Para falar com os jovens timorenses dispostos a
integrar a Polícia da capital, além de arriscar algumas palavras no
dialeto local tétum, precisou aprender o malaio, a língua oficial do
inimigo.
O país ainda sofria com ataques de milícias da Indonésia, treinadas para
espalhar o terror e impedir a independência de sua 27ª província. Em
dezembro de 2001, sete guerrilheiros indonésios, armados com arco e flecha,
dardos e espadas, foram cercados por uma equipe do capitão Hélio, numa
montanha ao leste. “Isto deu grande renome para a nossa companhia e também
para os brasileiros, porque nenhum policial estrangeiro tinha conseguido
capturar um guerrilheiro”, conta Hélio com a simplicidade de quem só
cumpriu seu trabalho.
Além de combater a guerrilha do país vizinho e manter a paz na capital,
que já eram grandes desafios, eles tinham uma missão específica: formar
uma Polícia timorense capaz de atuar sozinha depois da saída das forças
de paz. Na capital dividida em três distritos, Hélio foi comandante da
companhia de Becora. No começo, havia cerca de 40 policiais estrangeiros e
somente dez locais; ao deixar o país, eram apenas nove estrangeiros e 70
timorenses prontos para zelar pela segurança de seu país.
E esta experiência não vai ter livro? “Escrever sobre a história dos
outros é fácil, mas escrever sobre a nossa é um pouco mais difícil”,
argumenta Hélio, ao confessar que já tem muita coisa pronta; tirada de
suas religiosas anotações diárias durante o período no Timor Leste.
Assim como seus dois livros já publicados, o relato sobre sua experiência
na Força de Paz deve sair dos próprios punhos e bolsos. “A ordem unida
na evolução da doutrina militar” foi patrocinada pelo autor e já vendeu
550 dos mil exemplares impressos – o que para o mercado nacional de livros
é uma vitória.
“Em dois anos vivi experiências que equivalem a dez anos na vida de uma
pessoa comum. É muito intenso, mas espero logo, logo, soltar um livro por aí”,
complementa o membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil
que deixou seu nome na História Militar do mais jovem país do mundo.
Peter Füssy
Segunda-Feira,
13 de Fevereiro de 2006
FOTOS